A expressão educação “pré-escolar”, utilizada no Brasil até a década de 1980, expressava o entendimento de
que a Educação Infantil era uma etapa anterior, independente e preparatória para a escolarização, que só teria
seu começo no Ensino Fundamental. Situava-se, portanto, fora da educação formal.
Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 6 anos de
idade torna-se dever do Estado. Posteriormente, com a promulgação da LDB, em 1996, a Educação Infantil
passa a ser parte integrante da Educação Básica, situando-se no mesmo patamar que o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio. E a partir da modificação introduzida na LDB em 2006, que antecipou o acesso ao Ensino
Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil passa a atender a faixa etária de zero a 5 anos.
Entretanto, embora reconhecida como direito de todas as crianças e dever do Estado, a Educação Infantil
passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos apenas com a Emenda Constitucional nº 59/2009 26 , que
determina a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos. Essa extensão da obrigatoriedade é
incluída na LDB em 2013, consagrando plenamente a obrigatoriedade de matrícula de todas as crianças de 4 e
5 anos em instituições de Educação Infantil.
Com a inclusão da Educação Infantil na BNCC, mais um importante passo é dado nesse processo histórico de
sua integração ao conjunto da Educação Básica.
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Como primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil é o início e o fundamento do processo
educacional. A entrada na creche ou na pré-escola significa, na maioria das vezes, a primeira separação das
crianças dos seus vínculos afetivos familiares para se incorporarem a uma situação de socialização estruturada.
Nas últimas décadas, vem se consolidando, na Educação Infantil, a concepção que vincula educar e cuidar,
entendendo o cuidado como algo indissociável do processo educativo. Nesse contexto, as creches e pré-
escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no
contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o
universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas
aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da
educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois
contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação.
Nessa direção, e para potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a prática do diálogo e
o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de Educação Infantil e a família são essenciais.
Além disso, a instituição precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a
riqueza/diversidade cultural das famílias e da comunidade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009) 27 , em seu
Artigo 4º, definem a criança como
sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos
sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009).
Ainda de acordo com as DCNEI, em seu Artigo 9º, os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa
etapa da Educação Básica são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem
construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os
adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização.
A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e
potenciais para o desenvolvimento integral das crianças. Ao observar as interações e a brincadeira entre as
crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das
frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções.
Tendo em vista os eixos estruturantes das práticas pedagógicas e as competências gerais da Educação Básica
propostas pela BNCC, seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento asseguram, na Educação Infantil,
as condições para que as crianças aprendam em situações nas quais possam desempenhar um papel ativo em
ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais possam
construir significados sobre si, os outros e o mundo social e natural.
DIREITOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes
linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças
entre as pessoas.
Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros
(crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos,
sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas,
cognitivas, sociais e relacionais.
Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das
atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a
escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e
elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando.
Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações,
relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus
saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.
Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos,
dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.
Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de
si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras
e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário.
Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e
assimila valores e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação
e nas interações com o mundo físico e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um
processo de desenvolvimento natural ou espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de
imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na Educação Infantil, tanto na creche quanto na
pré-escola.
Essa intencionalidade consiste na organização e proposição, pelo educador, de experiências que permitam às
crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações com a natureza, com a cultura e
com a produção científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais (alimentar-se, vestir-se,
higienizar-se), nas brincadeiras, nas experimentações com materiais variados, na aproximação com a literatura
e no encontro com as pessoas.
Parte do trabalho do educador é refletir, selecionar, organizar, planejar, mediar e monitorar o conjunto das
práticas e interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam o desenvolvimento pleno das
crianças.
Ainda, é preciso acompanhar tanto essas práticas quanto as aprendizagens das crianças, realizando a
observação da trajetória de cada criança e de todo o grupo – suas conquistas, avanços, possibilidades e
aprendizagens. Por meio de diversos registros, feitos em diferentes momentos tanto pelos professores quanto
pelas crianças (como relatórios, portfólios, fotografias, desenhos e textos), é possível evidenciar a progressão
ocorrida durante o período observado, sem intenção de seleção, promoção ou classificação de crianças em
“aptas” e “não aptas”, “prontas” ou “não prontas”, “maduras” ou “imaturas”. Trata-se de reunir elementos para
reorganizar tempos, espaços e situações que garantam os direitos de aprendizagem de todas as crianças.