O Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica, direito público subjetivo de todo cidadão brasileiro. Todavia, a
realidade educacional do País tem mostrado que essa etapa representa um gargalo na garantia do direito à
educação. Para além da necessidade de universalizar o atendimento, tem-se mostrado crucial garantir a
permanência e as aprendizagens dos estudantes, respondendo às suas demandas e aspirações presentes e futuras.
Como bem identificam e explicitam as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 2011 (DCNEM/2011):
Com a perspectiva de um imenso contingente de adolescentes, jovens e adultos que se diferenciam por condições de
existência e perspectivas de futuro desiguais, é que o Ensino Médio deve trabalhar. Está em jogo a recriação da escola que,
embora não possa por si só resolver as desigualdades sociais, pode ampliar as condições de inclusão social, ao possibilitar
o acesso à ciência, à tecnologia, à cultura e ao trabalho (Parecer CNE/ CEB nº 5/2011 52 ; ênfases adicionadas).
Para responder a essa necessidade de recriação da escola, mostra-se imprescindível reconhecer que as rápidas
transformações na dinâmica social contemporânea nacional e internacional, em grande parte decorrentes do
desenvolvimento tecnológico, atingem diretamente as populações jovens e, portanto, suas demandas de formação.
Nesse cenário cada vez mais complexo, dinâmico e fluido, as incertezas relativas às mudanças no mundo do
trabalho e nas relações sociais como um todo representam um grande desafio para a formulação de políticas e
propostas de organização curriculares para a Educação Básica, em geral, e para o Ensino Médio, em particular.
AS JUVENTUDES E O ENSINO MÉDIO
Na direção de atender às expectativas dos estudantes e às demandas da sociedade contemporânea para a formação
no Ensino Médio, as DCNEM/2011 explicitam a necessidade de não caracterizar o público dessa etapa – constituído
predominantemente por adolescentes e jovens – como um grupo homogêneo, nem conceber a “juventude” como
mero rito de passagem da infância à maturidade. Ao contrário, defendem ser fundamental reconhecer
a juventude como condição sócio-histórico-cultural de uma categoria de sujeitos que necessita ser considerada em suas múltiplas
dimensões, com especificidades próprias que não estão restritas às dimensões biológica e etária, mas que se encontram
articuladas com uma multiplicidade de atravessamentos sociais e culturais, produzindo múltiplas culturas juvenis ou muitas
juventudes (Parecer CNE/CEB nº 5/2011; ênfase adicionada).
Adotar essa noção ampliada e plural de juventudes significa, portanto, entender as culturas juvenis em sua
singularidade. Significa não apenas compreendê-las como diversas e dinâmicas, como também reconhecer os jovens
como participantes ativos das sociedades nas quais estão inseridos, sociedades essas também tão dinâmicas e
diversas.
Considerar que há muitas juventudes implica organizar uma escola que acolha as diversidades, promovendo, de
modo intencional e permanente, o respeito à pessoa humana e aos seus direitos. E mais, que garanta aos
estudantes ser protagonistas de seu próprio processo de escolarização, reconhecendo-os como interlocutores
legítimos sobre currículo, ensino e aprendizagem. Significa, nesse sentido, assegurar-lhes uma formação que, em
sintonia com seus percursos e histórias, permita-lhes definir seu projeto de vida, tanto no que diz respeito ao estudo
e ao trabalho como também no que concerne às escolhas de estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos.
Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis, cabe às escolas de Ensino
Médio proporcionar experiências e processos que lhes garantam as aprendizagens necessárias para a leitura da
realidade, o enfrentamento dos novos desafios da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a
tomada de decisões éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para
investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais, de modo que
se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas gerações anteriores – e que se refletem nos
contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o novo.
AS FINALIDADES DO ENSINO MÉDIO NA CONTEMPORANEIDADE
A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações
decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de
formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à
diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar
comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida.
Para orientar essa atuação, torna-se imprescindível recontextualizar as finalidades do Ensino Médio, estabelecidas
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Art. 35) 53 : há mais de vinte anos, em 1996:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se
adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina.
Garantir a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental é essencial
nessa etapa final da Educação Básica. Além de possibilitar o prosseguimento dos estudos a todos aqueles que assim
o desejarem, o Ensino Médio deve atender às necessidades de formação geral indispensáveis ao exercício da
cidadania e construir “aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos
estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea”, como definido na Introdução desta BNCC
(p. 14; ênfases adicionadas).
Para atingir essa finalidade, é necessário, em primeiro lugar, assumir a firme convicção de que todos os estudantes
podem aprender e alcançar seus objetivos, independentemente de suas características pessoais, seus percursos e
suas histórias.
Com base nesse compromisso, a escola que acolhe as juventudes deve:
favorecer a atribuição de sentido às aprendizagens, por sua vinculação aos desafios da realidade e pela
explicitação dos contextos de produção e circulação dos conhecimentos;
garantir o protagonismo dos estudantes em sua aprendizagem e o desenvolvimento de suas capacidades de
abstração, reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à sua autonomia pessoal, profissional,
intelectual e política;
valorizar os papéis sociais desempenhados pelos jovens, para além de sua condição de estudante, e
qualificar os processos de construção de sua(s) identidade(s) e de seu projeto de vida;
assegurar tempos e espaços para que os estudantes reflitam sobre suas experiências e aprendizagens
individuais e interpessoais, de modo a valorizarem o conhecimento, confiarem em sua capacidade de
aprender, e identificarem e utilizarem estratégias mais eficientes a seu aprendizado;
promover a aprendizagem colaborativa, desenvolvendo nos estudantes a capacidade de trabalharem em
equipe e aprenderem com seus pares; e
estimular atitudes cooperativas e propositivas para o enfrentamento dos desafios da comunidade, do mundo
do trabalho e da sociedade em geral, alicerçadas no conhecimento e na inovação.
Essas experiências, como apontado, favorecem a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o que não
significa a profissionalização precoce ou precária dos jovens ou o atendimento das necessidades imediatas do
mercado de trabalho. Ao contrário, supõe o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes
inserir-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez mais complexo e
imprevisível, criando possibilidades para viabilizar seu projeto de vida e continuar aprendendo, de modo a ser
capazes de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. Para tanto,
a escola que acolhe as juventudes precisa se estruturar de maneira a:
garantir a contextualização dos conhecimentos, articulando as dimensões do trabalho, da ciência, da
tecnologia e da cultura;
viabilizar o acesso dos estudantes às bases científicas e tecnológicas dos processos de produção do mundo
contemporâneo, relacionando teoria e prática – ou o conhecimento teórico à resolução de problemas da
realidade social, cultural ou natural;
revelar os contextos nos quais as diferentes formas de produção e de trabalho ocorrem, sua constante
modificação e atualização nas sociedades contemporâneas e, em especial, no Brasil;
proporcionar uma cultura favorável ao desenvolvimento de atitudes, capacidades e valores que promovam o
empreendedorismo (criatividade, inovação, organização, planejamento, responsabilidade, liderança,
colaboração, visão de futuro, assunção de riscos, resiliência e curiosidade científica, entre outros), entendido
como competência essencial ao desenvolvimento pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e à
empregabilidade; e
prever o suporte aos jovens para que reconheçam suas potencialidades e vocações, identifiquem
perspectivas e possibilidades, construam aspirações e metas de formação e inserção profissional presentes
e/ou futuras, e desenvolvam uma postura empreendedora, ética e responsável para transitar no mundo do
trabalho e na sociedade em geral.
Nessa mesma direção, é também finalidade do Ensino Médio o aprimoramento do educando como pessoa
humana, considerando sua formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.
Tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa, ética, democrática, inclusiva, sustentável e solidária,
a escola que acolhe as juventudes deve ser um espaço que permita aos estudantes:
conhecer-se e lidar melhor com seu corpo, seus sentimentos, suas emoções e suas relações interpessoais,
fazendo-se respeitar e respeitando os demais;
compreender que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que
possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas, e que em conjunto constroem, na nação brasileira,
sua história;
promover o diálogo, o entendimento e a solução não violenta de conflitos, possibilitando a manifestação de
opiniões e pontos de vista diferentes, divergentes ou opostos;
combater estereótipos, discriminações de qualquer natureza e violações de direitos de pessoas ou grupos
sociais, favorecendo o convívio com a diferença;
valorizar sua participação política e social e a dos outros, respeitando as liberdades civis garantidas no
estado democrático de direito; e
construir projetos pessoais e coletivos baseados na liberdade, na justiça social, na solidariedade, na
cooperação e na sustentabilidade.
Subjacente a todas essas finalidades, o Ensino Médio deve garantir aos estudantes a compreensão dos
fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática. Para tanto,
a escola que acolhe as juventudes, por meio da articulação entre diferentes áreas do conhecimento, deve
possibilitar aos estudantes:
compreender e utilizar os conceitos e teorias que compõem a base do conhecimento científico-tecnológico,
bem como os procedimentos metodológicos e suas lógicas;
conscientizar-se quanto à necessidade de continuar aprendendo e aprimorando seus conhecimentos;
apropriar-se das linguagens científicas e utilizá-las na comunicação e na disseminação desses
conhecimentos; e
apropriar-se das linguagens das tecnologias digitais e tornar-se fluentes em sua utilização.
Para atender a todas essas demandas de formação no Ensino Médio, mostra-se imperativo repensar a organização
curricular vigente para essa etapa da Educação Básica, que apresenta excesso de componentes curriculares e
abordagens pedagógicas distantes das culturas juvenis, do mundo do trabalho e das dinâmicas e questões sociais
contemporâneas.
Na direção de substituir o modelo único de currículo do Ensino Médio por um modelo diversificado e flexível, a Lei nº
13.415/2017 54 alterou a LDB, estabelecendo que
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão
ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I – linguagens e suas tecnologias;
II – matemática e suas tecnologias;
III – ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – ciências humanas e sociais aplicadas;
V – formação técnica e profissional (LDB, Art. 36; ênfases adicionadas).
Essa nova estrutura do Ensino Médio, além de ratificar a organização por áreas do conhecimento – sem
desconsiderar, mas também sem fazer referência direta a todos os componentes que compunham o currículo dessa
etapa –, prevê a oferta de variados itinerários formativos 55 , seja para o aprofundamento acadêmico em uma ou mais
áreas do conhecimento, seja para a formação técnica e profissional. Essa estrutura adota a flexibilidade como
princípio de organização curricular, o que permite a construção de currículos e propostas pedagógicas que
atendam mais adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando
o exercício do protagonismo juvenil e fortalecendo o desenvolvimento de seus projetos de vida.